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sábado, 23 de março de 2013

Judas não cita o não-inspirado Livro de Enoque como tendo autoridade divina?

Judas cita o Livro de Enoque, dizendo: "Quanto a estes foi que também profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que veio o Senhor entre suas santas miríades". (v.14). Entretanto, Enoque não o é um livro inspirado, mas é considerado apócrifo (falso) pela igreja cristã.

Primeiro, não é certo que Judas de fato esteja citando o Livro de Enoque. Ele pode simplesmente estar mencionando um acontecimento que é encontrado também nesse livro não inspirado. “Vale dizer que Judas não afirma ter Enoque escrito essa afirmação, apenas registra que Enoque disse" (v. 14). Ele pode ter usado uma tradição oral válida, e não o Livro de Enoque.

Segundo, ainda que sua citação fosse extraída do Livro de Enoque, Judas não cita uma uma passagem do A.T.. Trata-se de uma "profecia" desta obra intitulada O Livro de Enoque, livro este escrito por volta do segundo e primeiro séculos a.C.. Esta obra era bastante conhecida dos escritores e leitores do N.T., e pertence à literatura apocalíptica deste período contendo uma mensagem "messiânica", inclusive uma descrição do juízo a ser executado pelo Messias. É bem possível que Judas considerasse a profecia como referência direta aos falsos irmãos que ele descreve no restante de sua carta e que ele combatia ferrenhamente.

Além disso, mesmo que Judas tivesse tomado essa afirmação do Livro de Enoque, ainda assim ela é verdadeira. Caso tenha usado qualquer passagem do Livro de Enoque, a passagem em apreço que mais se aproxima de sua fala está registrada em I Enoque 1:9. Porém, o texto de I Enoque é considerado uma compilação de vários autores que viveram nos últimos dois séculos a.C., e este livro é um dos chamados [1]pseudo-epigráficos (pseudo-epígrafos), ou seja, livros judaicos atribuídos a figuras famosas, tais como Enoque (Gên. 5). Geralmente estes livros recebiam os nomes de personagens famosos e conhecidos do povo para que pudesse ter autoridade e fossem aceitos. Muitas afirmações verdadeiras podem ser encontradas fora das Escrituras; o simples fato de Judas citar algo de uma fonte não-canônica (extrabíblica) não significa que o que ele diz seja necessariamente incorreto. Nem tudo no Livro de Enoque está correto, mas isso não nos permite concluir que tudo esteja errado.

A menção de Judas a um livro não-canônico não faz de I Enoque uma obra inspirada, tão pouco desqualifica a carta de Judas. O apóstolo Paulo cita verdades de poetas pagãos (At 17:28; I Co 15:33; Tt 1:12), o que não implica que esses livros sejam inspirados. Na verdade, até mesmo a jumenta de Balaão proferiu uma verdade (Nm 22:28). A inspiração do livro de Judas não garante tudo o mais que é dito numa fonte não inspirada, só por ela ter sido citada. Garante apenas a verdade que foi citada.

Finalmente, a evidência externa a respeito do livro de Judas é muito grande, o tempo de Irineu (cerca de 170 a.D.) para frente. Ele está no papiro Bodmer (P72) de 250 a.D., e trechos dele acham-se muito antes em *Didakhê (2:7), que provavelmente data do segundo século. Assim, há evidência para a autenticidade do livro de Judas, que não é diminuída por essa alusão ao que Enoque disse. A existência de Enoque e a sua comunicação com Deus é um fato estabelecido em outras partes da Bíblia, tanto no AT (Gn 5:24) como no NT (Hb 11:5).

Bibliografia:
GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e "Contradições" da Bíblia. 1ª Ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1999.
DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. 3ª Ed. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1990.
ANDRADE, Claudionor C. Dicionário Teológico: Um Suplemento Biográfico dos Grandes Teólogos e Pensadores. 9ª Ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2000.
STERN, David H. Comentário Judaico do Novo Testamento: 2ª Ed. Belo Horizonte: Editora Atos, 2008.
KEENER, Craig S. Comentário Bíblico Atos. Novo Testamento: 1ª ed. Belo Horizonte: Editora Atos, 2004.
KASCHEL, Werner; ZIMMER, Rudi. Dicionário da Bíblia de Almeida: 2ª Ed. São Paulo: SBB, 1999.
*Didaquê: Esta era uma obra que continha um Manual de Instrução usado pelos cristãos primitivos. Basicamente, era constituído de duas partes: 1). A vida cristã; e, 2). O governo da igreja.

[1] Pseudo-epigráficos: Livro religioso, judeu ou cristão, não-pertencente ao CÂNON, escrito entre 200 a.C. e 200 d.C. por autor anônimo ou por autor que, para ver a obra aceita, usava como pseudônimo (nome falso) o nome de algum personagem bíblico. A literatura pseudo-epigráfica é abundante. Títulos de pseudo-epígrafos do AT: Apocalipse de Baruque, Assunção de Moisés, Carta de Aristéias, 3 e 4 Esdras, Livro de Enoque, Livro dos Jubileus, 3 e 4 Macabeus, Oração de Manassés, Oráculos Sibilinos, Salmos de Salomão, Testamento dos Doze Patriarcas, Vida de Adão e Eva, etc. Pseudo-epígrafos (ou epigráficos) do NT: Apocalipse de Maria, Atos de Pedro e Paulo, Carta aos Laodicenses, Evangelho dos Doze Apóstolos, Evangelho da Infância de Jesus, Evangelho de Pedro, Pseudo-evangelho de Mateus, etc. Os católicos chamam os pseudo-epígrafos de apócrifos.

3 comentários:

  1. Bacana. Todavia, discordo. O Apocalipse de Enoque era universalmente aceito como obra inspirada e fazia parte da rotina da Igreja nos primeiros séculos do Cristianismo. Foi bem depois que Enoque acabou ficando de fora, quando a igreja escolheu quais livros eram e quais não eram canônicos.
    A carta de Judas não apenas está mencionando o Apocalipse de Enoque, o qual era parta da 'bíblia' Cristã daquele tempo, mas está praticamente transcrevendo um trecho do livro. Para nós, cuja maioria jamais leu ou ouvir falar do Apocalipse de Enoque, isso é estranho, mas para qualquer Cristão daquela época não havia dúvida e estava bem clara a referência ao livro em questão.
    Grande abraço!

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    1. Olá Nazeazeno, gratos pela visita.
      É fato que tal livro (o qual li trechos) era um livro conhecido da igreja primitiva dos primeiros séculos, pois foi exatamente naquele período que ele ficou mais conhecido, porém foi rechaçado por que fora reconhecido como um livro que não mantinha a mesma forma de escrita ou estilo desde o começo até o fim, revelando que havia sido escrito por várias pessoas ao mesmo tempo, e recebeu o título de O Livro de Enoque com o propósito de fazê-lo aceito pelos cristãos primitivos. Ele foi deixado de fora por que contradizia os ensinos dos apóstolos, os quais receberam autoridade da parte do próprio Senhor Jesus Cristo.

      Lemos verdades em livros não cristãos, o que não quer dizer que tudo o que neles contém seja verdade. O livro de Enoque não está entre os escritos canônicos justamente por que não tinha autoridade suficiente para tal em suas declarações. Qualquer livro pode ser conhecido em sua época, pois ao ser lançado fico conhecido principalmente naquele período, isso é algo lógico.Nenhum apóstolo ou até mesmo os pais da igreja jamais fizeram uso deste livro em sues escritos ou ensinos. O contrário aconteceu com os outros livros canônicos que sempre encontraram sustentação por parte dos mesmos. Deixo o meu abraço também.

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