"Porque, se Deus não perdoou aos anjos que pecaram, mas, havendo-os lançado no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo; E não perdoou ao mundo antigo, mas guardou a Noé..."
Pedro afirma nessa passagem que Deus, havendo lançado os anjos caídos "no inferno, os entregou às cadeias da escuridão, ficando reservados para o juízo" (SBTB; cf. Jd 6).
Entretanto, é evidente pelo NT que os demônios vagueiam em liberdade por toda a terra, oprimindo e até mesmo manifestando-se em pessoas (cf. Mt 12:22; 17:14-17; At 16:16-18; Ap 16:14).
Há duas explicações básicas para essa aparente contradição.
Primeiro, é possível que Pedro esteja falando do destino oficial e derradeiro dos anjos caídos (dos demônios), não de sua situação real e atual. Isto é, embora eles já estejam sentenciados por Deus a uma condenação eterna, ainda não começaram realmente a cumprir a sua pena. Não obstante, eles sabem que o seu dia está chegando (Mt 8:29; Ap 12:12).
Segundo, essas passagens podem estar falando de duas classes diferentes de anjos caídos, alguns já em cadeias (2 Pe 2:4) e os demais ainda livres. Alguns creem que Pedro esteja se referindo aos "filhos de Deus" (outra classe de anjos) são os b'nei-há'elohim [heb.], que quer dizer filhos de Deus ou filhos dos anjos, segundo o Comentário Bíblico Judaico do Novo Testamento, obra do judeu messiânico David Stern, esses seres são mencionados em Gênesis 6. Stern (pag. 828) explica que caíram do céu porque tinham deixado a sua autoridade original, e teriam tido relações com mulheres um pouco antes do dilúvio (Gên. 6:2-4), uma vez que logo no versículo seguinte há uma referência a Noé (v. 5). Depois desse ato (manter relações com as filhas dos homens) se tornaram "espíritos em prisão" (I Ped. 3:19) 'a quem Deus colocou em calabouços sombrios mais baixos que o Sheol para serem reservados até o juízo, em trevas, presos em correntes eternas para o Juízo do Grande Dia' (Jud. 6).¹
Ainda segundo o mesmo autor, tanto Pedro como Judas não estão usando sua imaginação, mas estão fundamentados em elaborações de Gênesis, as quais podem ser encontradas nos antigos escritos judaicos, tais como I Enoque²:
"(...) os sentinelas chamaram-me e disseram, 'Enoque, escriba da justiça, vá e aos sentinelas do céu que deixaram o alto céu, o lugar eternamente santo, e corromperam-se com mulheres, e tem feito como os filhos dos homens fazem, e tomaram para si mesmos esposas: 'Vocês tem causado grande corrupção na terra. Vocês não terão paz nem perdão do pecado (...).' Enoque foi e disse (ao líder dos sentinelas rebeldes): 'Aza'zel, você não terá paz. Um juízo severo tem vindo contra você: eles o colocarão em prisão.'O Senhor disse a Rafa'el, 'prenda as mãos e pés de Aza'zel, e lance-o nas trevas: faça um poço no deserto em duda'el, atire-o nele, lance pedras sobre ele, cubra-o de trevas, deixe-o habitar ali para sempre, cubra seu rosto para que ele não seja capaz de ver a luz. No Dia do Grande Juízo, ele será lançado no fogo. (I Enoque 12:4-13:1; 10:4-6)."
Nesse caso, isso pode explicar por que esses anjos em particular estão já em cadeias (para não repetirem o que fizeram), em situação oposta à dos outros demônios que estão em liberdade.
Fonte: GEISLER, Norman; HOWE, Thomas. Manual Popular de Dúvidas, Enigmas e "Contradições" da Bíblia. 1ª Ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1999.
¹STERN, David H. Comentário Judaico
do Novo Testamento: 2ª Ed. Belo
Horizonte: Editora Atos, 2008. (pag. 828)
²STERN, David H. Comentário Judaico
do Novo Testamento: 2ª Ed. Belo
Horizonte: Editora Atos, 2008. ('ipsis literis' pag. 828)